Conexões literárias – o virtual e seus frutos reais 1


Autor presente (#sqn?)

Quando se discute o uso da tecnologia como ferramenta na educação e o seu papel no fomento à leitura, pode-se, além de aderir aos smartphones dos quais os alunos não desgrudam, explorar as possibilidades de comunicação à distância. Foi exatamente isso que um encontro real entre professor e autora propiciou. Depois de uma palestra no Instituto Cervantes de São Paulo, onde falei de literatura digital e todas as plataformas onde transita a literatura na web, o professor Francis fez contato por redes sociais perguntando se eu toparia ser entrevistada por suas turmas, via web, naturalmente.

Seu interesse era explorar o projeto Labirintos Sazonais como forma de provocar seus alunos de redação. Três turmas do oitavo ano brincaram com as trilhas possíveis no website, identificaram temas recorrentes nas histórias formadas e elaboraram uma série de questionamentos que me foram feitos em sessões de bate-papo por skype.

Além da curiosidade sobre a motivação para criar esse tipo de obra, eles queriam saber se os temas que se repetem nas histórias eram intencionais, por que havia mais personagens masculinas, se eu havia escrito sozinha ou contara com parcerias e mostraram-se muito interessados sobre o processo de criação em si.

As videoconferências duraram em torno de trinta minutos com cada turma e dependeram de um trabalho prévio realizado pelo professor, mas foram muito enriquecedoras para mim e, espero, também para eles. E depois de tudo fiquei me perguntando porque este recurso não é utilizado com maior frequência (ou será que é e estou mal informada?).

Não falo isso como forma de substituir a interação presencial entre autor e aluno porque não acho que qualquer contato “virtual” possa substituir o olho no olho, mas me parece uma ferramenta útil, inclusive para explorar o potencial positivo das ferramentas de comunicação oferecidas pela tecnologia.

Inspirar(se)

A coisa mais surpreendente nesse processo foi saber que a partir da leitura das histórias do Labirintos e da coversa via skype a intenção do professor era motivar as turmas a criar uma obra com característias similares. Para isso os alunos pediram dicas de leitura e informações sobre o método utilizado para escrever.

Então, falei das planilhas excel utilizadas, recomendei usar um número menor de combinações e disse da necessidade de muita revisão para checagem da coerência dos resultados de cada combinação. Também recomendei que pesquisassem mais sobre outras criações e exercíos do gênero feitos por autores como Calvino (Oulipo), Borges e Cortázar.

A iniciativa do professor Francis de  motivar aqueles alunos à leitura e à criação é profundamente inspiradora e espero que ajude a mobilizar outros mestres quanto às possibilidades de que dispõem para agitar suas turmas na direção do conhecimento e da criatividade.

E, não posso negar, a alegria de ver-me parte da motivação criativa daquela garotada foi uma emoção ímpar!

Os frutos

Recentemente os alunos puderam compartilhar o resultado de vários meses de trabalho em uma Mostra Cultural do Centro Educacional Pioneiro. No box abaixo o texto de apresentação que convidava a percorrer o labirinto criado por eles – variações de um futuro distópico com diferentes origens e desfechos – e a seguir o registro fotográfico do evento.

NOSSO LABIRINTO

Aparentemente simples, resultado de um longo processo. Iniciamos o ano lendo atores consagrados (Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, por exemplo) de literaturas consideradas labirínticas, por suas possibilidades abertas e por levarem os leitores por diferentes caminhos de interpretação.
Depois, conhecemos a autora gaúcha Maurem Kayna e seus Labirintos Sazonais (www.labirintos-sazonais.com). Uma experiência digital de literatura combinatória. Este tipo de texto cria a chance de o leitor trilhar seus caminhos para o enredo. A partir disso, as turmas de 8º ano criaram suas possibilidades.
No primeiro momento, em grupos grandes, cada turma criou começos, meios e fins, diante do tema de um estudo: Ficção Científica. Curiosamente, sem nenhuma prévia, pontos de partida se repetiram nas três salas (viagem no tempo, degradação da sociedade, pessimismo…) No decorrer do processo, os textos foram aperfeiçoados em grupos menores e por fim pela sala toda. O grande desafio: até essa última etapa, cada sala conhecia apenas o próprio texto.
Depois de pronto em cada turma, foi preciso conhecer as produções das outras para fazer as adequações necessárias para a coerência entre todas as partes. Do início ao fim, um labirinto em construção. Aqui está o resultado, ilustrado pelo trabalho de perspectiva desenvolvido nas aulas de Artes, outra coincidência, já que não havia previsão. Embrenhe-se nos corredores literários para encontrar-se.
Atenciosamente, Estudantes de 8º ano e professor Francis.

Labirintos Sazonais inspirou alunos dos oitavos anos

Labirintos Sazonais inspirou alunos dos oitavos anos

 

 

labirinto criado pelos alunos de redação

labirinto criado pelos alunos de redação

Papéis

Uma escola com boa estrutura física contribui muito para a realização de projetos como esse, mas acredito que o elemento fundamental nesse processo é o engajamento do professor. Todos sabemos das dificuldades que a categoria enfrenta – desde valorização, carreira, sobrecarga até o desrespeito que muitos já sofreram, seja por parte alunos ou mesmo de pais -, mas é impossível dissociar seu envolvimento com as turmas do desempenho atingido pelos alunos (e não me refiro a notas, simplesmente). Já comentei sobre isso em outro artigo e todos os contatos que tenho tido com a realidade de escolas tem confirmado essa perpepção. Por isso, meus mais sinceros parabéns aos professores que conseguem superar todos os obstáculos para influenciar positivamente no desenvolvimento de pessoas!

 


Sobre Maurem Kayna

Maurem Kayna é Engenheira Florestal, baila flamenco e é apaixonada pela palavra como matéria-prima para a vida. Escreve contos, análises sobre a auto publicação e tem a pretensão de criar parágrafos perenes.

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