Quer saber minhas razões para escrever?
Volto a essa(s) pergunta(s) do “escrever para quê” ou “para quem” com frequência. Por muitas razões, mas a principal é para me situar durante o processo de escrita. Quando um conto empaca ou as mãos travam acima do teclado sem que a ideia que parecia ótima há poucos instantes se converta em uma frase ao menos, a pergunta “escrever para quê? (ou para quem) pode ser uma boa chave. Recentemente, a participação em um projeto bacana, chamado Escritores Perguntam, Escritores respondem me faz revisitar a pergunta, sempre com novas possibilidades de respostas
Escrever é uma espécie de necessidade, não da mesma ordem das fisiológicas, ainda assim, uma necessidade. Porém, intermitente. Isso significa que, se a vida anda agitada, se há visitas, viagem de férias, uma pilha de bons livros para ler ou simplesmente o trabalho para dar conta e o guarda-roupas para por em ordem, a escrita só acontece pela ação da disciplina. Falo por mim, claro (e com inveja de quem não se deixa afetar pelo mundo prático e escreve mesmo que chova canivetes). Não sou do tipo que comumente larga o prato de macarrão ou o copo de caipirinha para ir com urgência ao teclado ou bloco de notas. Deveria(?), mas não é assim. Por isso, manter presentes os motivos que um dia me fizeram querer escrever é uma forma de estabelecer a necessária disciplina para continuar escrevendo.
A necessidade de escrever
Essa tal necessidade, mesmo que intermitente, no meu caso tem parentesco com a urgência de entender e se situar no mundo que eclode na adolescência de quase todo mundo. Primeiro, era uma forma de mover-me sem perder a ilusão de que era possível mudar aquilo que me parecia insuportável, então, quando pré-adolescente, escrevia poemas (de péssima qualidade, é preciso dizer) que traduziam o que eu almejava para a vida dos que me cercavam – bichos, pessoas queridas, lugares e plantas; mais tarde, a prosa distópica misturada com desabafos indignados com a ordem das coisas, ocupava cadernos sempre mantidos à distância dos olhos alheios (depois foram todos destruídos – ufa!); finalmente, quando computadores se tornaram um item possível na vida de sujeitos da classe média baixa, o teclado se tornou meu melhor amigo – para registro de sonhos a impressões detalhadas do cotidiano. Só mais tarde, bem depois dos vinte é que descobri a possibilidade de inventar histórias.
Na primeira vez que a pergunta sobre a razão de escrever ou a quem (idealmente) se dirigiam meus escritos surgiu há menos de uma década (considerando que tenho mais de quatro… bem, demorou para surgir a pergunta). A primeira resposta foi o eco da própria interrogação. Um silêncio por dentro. Então, devagar, veio o entendimento de que escrever é, antes de tudo, um meio de decifrar o viver, um jeito de olhar para aquelas costuras que não se vê por fora, só no avesso do tecido; e é uma forma de conversar com alguém (inexistente) que imaginamos capaz de compreender aquilo que talvez nem nós mesmos alcancemos compreender. Uma terapia? Poderão perguntar alguns. Não exatamente, mas também, por que não!?
Não falo porém, de mero desabafo ou busca de consolo. Ao contrário. Escrever deve ser o duro exercício de trazer à tona o menos visível de nossas escolhas, decisões, convicções e desejos. Forçar quem lê (e, automaticamente quem escreveu) a se confrontar com o que preferiria não reconhecer no espelho – seja para sair correndo, espatifar o vidro ou levantar-se e refazer estradas.
Assim, resumindo, escrevo para dissecar o mundo e poder exergar o caminho que trilho. Escrevo para quem porventura tenha curiosidade parecida, para quem reconhece mas não aceita as coisas como são, mas ainda assim insiste. Escrevo à espera de respostas, mas também sabendo que não há muitas a esperar. Escrevo, enfim, porque amo a palavra como matéria-prima. Escrevo porque me delicia o deslizar da caneta sobre o papel e também o ruído macio do teclado. Escrevo porque não tenho escolha.
Os hábitos de grandes escritores
Grande parte dos escritores que admiro e sobre os quais tive oportunidade de ler a respeito de seus hábitos de escrita tinha uma rotina bastante disciplinada de escrita. Faulkner, Hemingway, Woolf procuravam escrever todos os dias e, reservar tempo para ler, naturalmente – combustível inseparável para quem quer escrever – cada qual com seu ritual de criação, mas todos com obstinação. As razões ou motivações para escrever variavam tanto quanto os estilos e enredos de cada um desses escritores e isso reforça minha sensação de que essa resposta, pessoal e intransferível, precisa ser buscada e revista o tempo todo.
Para quem se interessa pelo modus operandi de escritores que admira, recomendo a leitura das entrevistas da Paris Review. Quem lê inglês pode ter acesso gratuito a todas as entrevistas no site www.theparisreview.org. Em português, a Cia das letras editou dois volumes com 27 entrevistas.