#LeiaMulheres


Por quê ler mulheres?

O risco de resistência à hashtag #leiamulheres, sob o argumento de que boa literatura não tem gênero porque é humana e universal, provavelmente não é baixo. Então, para começar a conversa, acho que vale dar uma olhada no que sugere esta pesquisa feita pela Alpaca Editora sobre os hábitos de leitura de 2.538 brasileiros de todos os Estados. Caso alguém tenha tido preguiça de ler os resultados lá, resumo aqui os dados mais gritantes comentados:

  • a proporção de livros escritos por mulheres que é lido por leitores que leem mais de 10 livros por ano fica em torno de 1 a 2 (no máximo de 3 a 5, mas esta é uma resposta menos frequente);
  • apenas 30% das publicações no Brasil são de obras escritas por mulheres (dados de uma pesquisa da Universidade de Brasília)
  • em torno de 30% das personagens são mulheres

Uma outra abordagem pode ser vista no Suplemento Pernambuco, onde se pode conferir a experiência de Catherine Nichols com agentes literários e a diferença de receptividade aos textos com base no gênero do escritor.

Todos os dados e análises poderiam ser utilizados para responder à provocação do título, mas eu, pessoalmente preciso acrescentar mais um: como mulher e como escritora me interessa ter contato com a visão, técnica e criação de outras mulheres e escritoras. Ponto. (Não, isso não significa que eu não considere fundamental ter contato com a visão e a técnica de escritores homens do mundo todo, mas isso já aconteceu naturalmente por conta de sua maior representatividade nas publicações às quais tive acesso ao longo da vida de leitora).

Clubes #LeiaMulheres no Brasil

As inspirações e as razões de fomentar a leitura de autoras já estão mais que esclarecida, não!? Pois, depois de uma série de eventos organizados em São Paulo e Rio de Janeiro, em parceria com a rede de livrarias Blooks, a iniciativa está se espalhando pelo país.

Curitiba, Fortaleza, Itapetininga, Recife, Porto Alegre, São Luís do Maranhão e Brasília já estão no circuito e acredito que a lista só vai crescer. Quem quiser conferir a programação mensal em todas essas cidades pode acessar www.leiamulheres.com.br. E quem sabe você que está aí chei@ de vontade de movimentar coisas no mundo não agita um clube de leitura com essa proposta na sua cidade, bairro ou condomínio!? Aliás, lá no site Leia Mulheres tem link para todos os grupos do facebook de cada uma dessas cidades e as responsáveis pelo site são totalmente receptivas à criação de novos grupos.

A experiência de Porto Alegre*

Depois de conhecer a iniciativa #leiamulheres, desenvolvida no Brasil a partir da proposta da escritora  Joanna Walsh, passei algum tempo provocando uma amiga virtual de São Paulo sobre a possibilidade de Porto Alegre ser incluída no roteiro e por conta desses felizes encontros que a web proporciona, um grupo daqui também se interessou pela proposta e  foi atrás de replicar a experiência.

A organização dos encontros começou em um grupo no Facebook e graças à ação concreta da Clarissa Xavier, que foi atrás de espaço físico, organizou agenda e movimentou a mulherada, tivemos o primeiro encontro em Agosto, na Casa de Cultura Mario Quintana.

Uma das caracteristicas do grupo de Porto Alegre é que ele não possui uma mediação formal. A conversa se organiza naturalmente sem a necessidade de uma figura organizadora oficial. Além disso, a escolha do tema de cada reunião é feita coletivamente nos próprios encontros e qualquer participante do grupo virtual pode sugerir e votar na obra a ser lida.

Mas o que mais me interessa partilhar com vocês a respeito dos clubes é a qualidade e a natureza das trocas que acontecem por lá. Além da satisfação que há em falar sobre as impressões de leitura com outras pessoas que leram a mesma obra e, a partir da troca, alargar nossa própria percepção sobre o texto, sobre quem escreveu e sobre a interferência de ambos em nosso próprio caminho, uma característica presente nos dois encontros me deixou muito animada. Acho que a palavra que melhor define ou resume essa característica é respeito.

Pode parecer um elogio despropositado de minha parte. Afinal, parece uma condição óbvia de encontros dessa natureza, mas o caso é que praticamente todo o debate do qual se tem notícia nesses tempos de palanques virtuais, descamba, cedo ou tarde, para uma rigidez de posições, para uma surdez teimosa às posições divergentes e, não raro, à agressão. Ocorre que nos dois encontros realizados contamos com visões muitas vezes divergentes sobre as ideias contidas nas obras escolhidas e mesmo sobre visões de mundo (da autora ou de personagens, ou mesmo das participantes do clube) e em nenhum momento houve qualquer tentativa de imposição / convencimento, qualquer nota de agressividade ou contrariedade. Ao contrário, notei em vários momentos a franca disposição de abrir as próprias perspectivas a outras possibilidades. Isso, lógico, foi a minha percepção e talvez nem todas as participantes tenham sentido o mesmo.

Também chama a atenção o número de participantes que leem a obra mas não vão aos encontros, nem participam da discussão virtual. Somente expressam seus comentários em encontros pessoais membros do grupo que conheçam pessoalmente, evitando compartilhar suas ideias com o grupo.

Por fim, há um último aspecto a comentar, que é a participação exclusivamente feminina, apesar da divulgação aberta. Será que isso tem a ver com os títulos escolhidos (todos os membros do grupo lá no facebook podem ajudar a escolher a obra do mês), com a proposta em si, com falhas na divulgação!? Não temos resposta, mas seguiremos convidando amigos para participar.

Ecos

Para colocar um pouquinho mais de ânimo em quem tenha cogitado consig@ mesm@ a possibilidade de replicar essas iniciativas, deixo uma recomendação de leitura sobre a experiência de ler mulheres – trata-se dodepoimento de María Barrios sobre sua decisão de somente ler mulheres no período de um ano, em artigo no El País.

 

*escrito em colaboração com Clarissa Xavier

 


Sobre Maurem Kayna

Maurem Kayna é Engenheira Florestal, baila flamenco e é apaixonada pela palavra como matéria-prima para a vida. Escreve contos, análises sobre a auto publicação e tem a pretensão de criar parágrafos perenes.

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