Brasileiro não lê?
Ao “xeretar” na web em busca de reflexões ou estudos sobre qual seria a principal motivação para a leitura, quais as razões que fazem alguém gostar de ler, encontrei elucubrações e conclusões interessantes. Primeiro, notei que a queixa sobre os hábitos pouco robustos de leitura não é exclusividade do Brasil. Portugal padece de problema similar; Porto Rico e México queixam-se do mesmo; Espanha também. E possivelmente muitos outros países, cujos idiomas não domino. Não acredito que nivelar pela pior situação seja um consolo efetivo. Aliás, não gosto de consolação para situações que devem ser mudadas, mas saber que o problema não é exclusividade nacional pode ajudar a buscar as causas raíz, tratá-las e, no longuíssimo prazo, alcançar cenários diferentes. Ou, indo um pouco além, pode nos fazer questionar essa “máxima” de que brasileiro não lê, como se isso fosse um defeito intrínseco da nação ao invés de uma realidade mais ampla.
Motivações para a leitura
Um argumento que apareceu em mais de um artigo sobre as motivações da leitura me atraiu e trata da distância existente entre o sujeito considerado apto a ler (alfabetizado) e aquele que é capaz de compreender o que lê. Felizmente, todos que analisam a questão da leitura mais seriamente sabem que não basta a leitura mecânica, o que conta mesmo é a interpretação.
O cenário pintado nesse ensaio de 1994 é de que todas as incontáveis ‘atrações’ disponíveis para o indivíduo moderno estariam ganhando a batalha pela preferência dos cidadãos em relação à leitura, vista como coisa pouco atrativa. Da época em que o artigo foi escrito até aqui tudo se agravou, mas o autor sublinha algumas visões menos catastróficas das quais partilho. Diz ele, ao discutir as possíveis motivações de um leitor, que “a leitura de diferentes textos ajuda a corrigir a tentação da verdade absoluta, tão empobrecedora para o conhecimento.” Concordo com as conclusões dele em gênero, número e grau: “A leitura é uma actividade essencial no mundo civilizado. Não chega saber ler, isto é, decodificar um alfabeto em palavras e frases mais ou menos compreensíveis. É necessário gostar de ler. E o gostar de ler implica, não só obras técnicas e científicas, mas também, e principalmente, obras literárias. Se uma criança for, desde o berço, habituada a ouvir historietas lidas ou contadas pelos pais; se ela for motivada e bem acompanhada na escola; se lhe derem tempo, dentre o oceano das actividades que lhe impõem, para se encontrar consigo num quarto à frente de um livro, talvez, quando crescer seja um adulto que ame a leitura. Doutro modo, teremos cidadãos alfabetizados, mas extremamente incultos e de uma enorme pobreza de espírito.” Mas esse tempo, mencionado pelo autor, não é negado somente aos pequenos. Nossa rotina também não o facilita… pensemos, pois.
Navegando à cata de soluções já experimentadas para o conhecido problema do baixo índice de leitores na população, levantei as principais sugestões de medidas supostamente capazes de alavancar o gosto pela leitura. Notei certa supervalorização do papel da escola na formação de leitores. Jogando sobre os ombros dos professores uma tarefa árdua para a qual provavelmente não estão preparados nem dispõem de ferramentas suficientes. Mas é impossível negar que no atual contexto, a escola tem mesmo um papel muito significativo nesse processo.
Isabel Solé argumenta que é necessário que o aluno entenda do que está participando e que nas abordagens da leitura isso muitas vezes não acontece. Ou seja, é preciso ler com compreensão, como uma atividade não mecânica, como algo capaz de fomentar o pensamento. Alcançar esse objetivo – de fazer com que a leitura ultrapasse o mecanicismo – é que parece um desafio e tanto, pois penso que leitura é algo em que nos aprimoramos à medida que praticamos, mas só praticamos mesmo se considerarmos o ato aprazível (ou se formos obrigados a fazê-lo, mas não gosto nem acredito no efeito dessa alternativa).
Uma outra questão citada como motivação para a leitura seria o aspecto social, ou seja, a troca de comentários e referências sobre os livros preferidos como uma forma de interação com outros indivíduos. Será? Embora eu mesma goste de falar sobre livros lidos e as impressões que me deixaram, não consideraria isso uma motivação a mais para ler. Mas em tempos de redes sociais tão onipresentes… vá saber.
A sensação que fiquei depois de ler ou apenas passar os olhos sobre diferentes análises acerca dos motivos que podem levar alguém a gostar de ler foi de confusão e impotência. Como não sou estudiosa do tema só consigo realmente olhar para o assunto com as lentes da minha própria experiência e no meu histórico não saberia dizer o que determinou que eu gostasse de ler. Examinemos, então:
- Desde pequena, costumava ver minha irmã e minha mãe lendo (muito mais do que assistindo TV, por exemplo) – não tínhamos muito recurso para comprar livros, mas os empréstimos entre conhecidos e de bibliotecas públicas ou de escolas eram uma fonte segura;
- Ganhei livros de presente desde que aprendi a ler (mecânicamente, talvez) (e amava ganhá-los);
- Não lembro de nenhum(a) professor(a) das séries iniciais que tenha me estimulado ao hábito da leitura com muita ênfase;
- A partir da 6ª sexta série do ensino fundamental (era primeiro grau no meu tempo) passei a frequentar as bibliotecas escolares como hoje vejo a garotada grudada em seus smartphones – lia de tudo e tinha melhor relação com as bibliotecárias do que com boa parte dos professores (eu não era examente um exemplo de boa aluna);
- No ensino médio (2º grau) lembro de duas professoras que me inspiravam à leitura, de modos diferentes – uma promovendo e reconhecendo a habilidade de redação, e a outra demonstrando paixão pelos textos que analisávamos em aula;
- Na universidade, uma parcela significativa do meu tempo foi consumida no porão da biblioteca, garimpando livros ou lendo nos sofás gastos (mas muito confortáveis) que havia por lá.
Não quero postular que o gosto pela leitura seja algo inato, que não dependa de estímulo da família e da escola, mas de todos esses fatores, se alguém me perguntasse quais foram realmente determinanentes para que eu goste de ler, intuitivamente destacaria apenas dois: o valor que os livros tinham em nossa casa e o papel das bibliotecas escolares – permitindo-me acesso aos livros num tempo em que não tinha nenhuma possibilidade de comprá-los.
Conclusão!? Penso que para cada indivíduo os fatores decisivos variam, mas na dúvida, tentemos favorecer de todas as formas possíveis a formação de novos leitores! E você, como acha que é possível estimular o hábito da leitura? Conta aqui nos comentários, vai! Ou então manda um e-mail, sinal de fumaça, links inspiradores via redes sociais.
😉
Inicialmente é preciso dizer do prazer que nos provoca ler um bom texto, como este, o que implica em fluidez, qualidade de conteúdo e principalmente embasamento para o que exige o tema.
Sobre a temática em si, de onde vem o gosto ou o hábito da leitura, eu não saberia distinguir o que é mais determinante entre todos os aspectos ou fatores citados, mas gostaria também de destacar a experiência que tive e que creio foi o que mais me influenciou: sou filha de professora (minha mãe foi diretora de escola estadual durante uns 20 anos) e minhas tias, quase todas, eram também professoras. A escola era de uma cidade do interior de Minas, ficava ao lado de minha casa, o que facilitava o meu trânsito frequente para lá, mesmo que fora do horário das aulas. Enfim, o contato com livros e com as pessoas diretamente envolvidas com o ensino, me despertaram ainda muito cedo , um interesse pelo “meio”. Esse foi o primeiro ponto de contato e daí em diante, participar de atividades curriculares ou extras, como festividades, homenagens, etc., tornaram-se corriqueiras. O interessante é que, todas essas atividades incluíam saraus de poesia, montagens teatrais e/ou música. Aprendi o gosto pelas declamações muito cedo e para tal era preciso escolher poemas, consequentemente, isso proporcionou-me encontros com os trabalhos de tantos poetas que admiro. Daí, passar para a prosa, foi algo que aconteceu naturalmente. E pasme, o que mais me encantava em prosa, eram os discursos políticos de meu avô, que se inspirava muito no estilo de escrever de Juscelino Kubitschek. Passei a gostar de escrever discursos e então procurava por frases de efeito em livros de grandes escritores, para adaptá-las ao contexto do que escrevia. Enfim, o que deduzo é que nunca fui forçada a ler, mas certamente, o meio no qual vivi teve enorme influência.
Um abraço e parabéns pelo excelente texto.
Celêdian Assis
De certa forma este post se enquadra como resposta à minha pergunta sobre a sua experiência com livros e leitura no passado. No meu caso, creio que o exemplo da família, o valor que os livros sempre tiveram no meio em que fui criada foi muito importante, bem como o acesso às bibliotecas mais tarde, principalmente as que ofereciam um acervo mais rico e atual. Minha mãe também lia muito para mim e eu tinha horário regrado para a TV. Eu leio para a minha filha desde a gravidez e noto que livros, para ela, têm grande valor (é o presente preferido e todas as vezes que vamos às compras passar pela livraria é o que ela mais gosta e ficar folheando os livros que estão em exposição). Por conta disso ela está com uma biblioteca já considerável para sua idade e todas as noites, fora os outros horários do dia em que ela ‘brinca’ com os livros ou nos pede para ler, lemos alguma coisa antes dela dormir (no dia em que não leio ela reclama, a leitura na cama já e parte do ritual). Gostei das novidades da News Letter. Beijão pra ti!