Literatura e tecnologia, parceria ou disputa?


Literatura ou tecnologia?

Volta e meia surge o debate sobre o potencial da tecnologia como ferramenta de fomento à leitura – defendida por uns, execrada por outros. Ao examinar os argumentos de cada posição, é bom ponderar que não há pesquisas ou opiniões neutras, pois, de algum modo, elas sempre refletem uma certa visão de mundo. Isso não é bom nem ruim, apenas demonstra a necessidade de analisá-las com doses equilibradas de mente aberta e senso crítico.

Há visões que defendem o “enriquecimento” do texto com o uso dos recursos que a tecnologia oferece, incluindo imagens, animações, sons, links e toda interatividade que se possa explorar. Tal estratégica ajudaria a “conquistar” leitores e a tornar a atividade de leitura mais interessante(?!). A esta abordagem talvez convenham, ao menos, duas reflexões: 1) por que a “simples” leitura não é considerada interessante ou divertida o suficiente?; e 2) as atividades consideradas não divertidas deveriam então ser banidas, especialmente da vida dos leitores em potencial?

No extremo oposto, há indícios de que a leitura realizada em aparelhos como tablets e smartphones – entrecortada por todo tipo de distrações – não só é de qualidade inferior àquela realizada em livros de papel, como também pode reduzir a capacidade de enfrentar leituras mais longas e profundas mesmo fora desses suportes, como uma espécie de sequela. Tal análise descarta ou ignora a funcionalidade de alternativas como os leitores dedicados – e-readers -, o que pode representar a chance de carregar mais de 500 títulos em um aparelho de trezentas gramas, cuja tela permite um conforto de leitura similar ao papel e com bateria de longa duração – semanas ao invés de horas.

Literatura E Tecnologia

Entre a defesa irrestrita da tecnologia e sua condenação a priori, cabe considerar as muitas nuances determinadas por interações que variam conforme a realidade de cada instituição, educador e aluno.

Recentemente tive a oportunidade de realizar uma série de oficinas com alunos de ensino médio, em escolas da rede pública de ensino. A atividade consistia em uma conversa com os alunos e na realização de um exercício de leitura e criação. Foram apresentados exemplos de literatura digital, ou seja, obras feitas especialmente para mídias digitais como Labirintos Sazonais, Minicontos Coloridos e o Jogo do Gato Poeta. O propósito era mostrar opções de leitura para os internautas – 100% dos presentes tinha contato diário com a web -, como uma espécie de “petisco” literário, quiçá capaz de motivar o gosto por mais leitura.

Era visível o interesse do público por narrativas criadas dentro de redes sociais e textos em que o leitor pode interferir na construção ou no desfecho da história. Alguns, excitados e curiosos, sacavam seus smartphones para conferir as dicas durante a conversa.

O exercício de leitura e criação utilizou a obra Labirintos Sazonais – os grupos de alunos montavam narrativas com fragmentos de textos inspirados nas estações do ano e, a partir da interpretação do miniconto resultante, criavam títulos.

Algumas das criações surpreenderam pela sensibilidade da interpretação do texto, outros foram poéticos, e alguns fizeram conexão com músicas ou vivências dos leitores. Também houve, como era esperado, alunos cuja leitura desatenta se somou às limitações de vocabulário e compreensão, resultando em títulos pouco inspirados.

O nível de interesse e engajamento dos alunos com a atividade se mostrou muito correlacionado à postura dos professores que acompanhavam a oficina. Não parecia importar se o professor utilizava ou dominava ferramentas tecnológicas, mas sim o quanto se interessava pela literatura.

Saí de cada encontro sem nenhuma garantia de ter gerado modificações significativas nos hábitos de leitura daqueles jovens, porque o gosto pelas palavras, me parece, precisa ser cultivado desde tenra idade, mas convicta de que há muito mais a considerar do que a tecnologia em si.

Literatura e seu poder, em qualquer tempo

Cada formato – e-book, impresso ou web – pode ser explorado e usufruído de acordo com o conteúdo que comporta e sempre na dependência do interesse do leitor.

Consideremos que os extensos romances que muitos de nós ainda cultuamos surgiram graças à possibilidade técnica da invenção de Gutemberg. Temos agora os curtíssimos contos que se lêem em aplicativos para smartphones ou em tweets, e isso dá pistas de como o “contorno” ou “embalagem” do conteúdo ajuda a determiná-lo.

A leitura online, dadas suas peculiaridades, quase obriga à criação de textos mais curtos, que possam ser absorvidos no tamanho e qualidade de tempo que o leitor disponibiliza quando está conectado – tempo curto e potencialmente menos concentrado. Mas nem isso é regra, e já florescem redes sociais cuja proposta é a circulação de textos mais trabalhados, como o Medium, por exemplo.

O certo é que a velocidade e a conexão estão postas e, antes de lamentarmos a suposta perda de interesse por leituras mais longas e mais fundas, cabe perguntar se isso é apenas da tecnologia, ou se há outros fatores sociais e pessoais influenciando os leitores desse nosso tempo.

 


Sobre Maurem Kayna

Maurem Kayna é Engenheira Florestal, baila flamenco e é apaixonada pela palavra como matéria-prima para a vida. Escreve contos, análises sobre a auto publicação e tem a pretensão de criar parágrafos perenes.

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