O que vale mais, o texto ou o escritor?


Talvez seja reducionismo colocar a questão da literatura nesses termos, mas as posições que tenho acompanhado na web sobre a declaração polêmica de Raphael Draccon parecem se dividir entre a supervalorização do escritor e o endeusamento do texto. Se tivesse de escolher um lado, ficaria com o segundo, mas prefiro discutir alguns outros pontos.

Voltando ao tumtulto gerado pela entrevista do autor de fantasia (que nunca li, preciso esclarecer), nos posts e comentários que li vejo basicamente duas vertentes: alguns defendem que a vida pessoal do escritor e sua presença em mídias várias são determinantes para o sucesso do produto que ele venha a oferecer (editores, ou gente ligada ao mercado editorial predominam nesse grupo) enquanto outros, revoltados com as declarações dadas durante a Bienal do Livro, vociferam e insistem em defender a relevância do texto acima de tudo.

Draccon acabou corrigindo o que alegou ser uma edição fora de contexto das suas declarações, mas o fato é que há tempos tenho assistido a discussões similares. E para que não paire a impressão de que estou empoleirada sobre o muro, esclareço não ter simpatia por escritores pop star. Entretanto, creio que seja necessário fazer uma distinção muito clara entre os perfis de escritores e o texto que produzem, pois, faço parte dos que entendem o texto como mais relevante que a figura que o gerou – por uma razão muito simples: pessoas, geniais ou medíocres, perecem e o texto tem a chance de permanecer, principalmente (mas não só) se dotado de boa qualidade. E esse raciocínio precisa levar em conta que um bom texto (e há critérios objetivos para avaliar um) pode perfeitamente ser escrito por um escritor que também é um “pop star”, habilidades de relacionamento que geram popularidade não são incompatíveis com capacidade criativa. Ao menos nunca vi nenhuma evidência científica disso.

Admito com tranquilidade que escritores que desejam, independente da idade, fazer da escrita uma profissão, capaz de pagar suas contas, precisarão sim entender as regras do mercado e adequar-se a elas. Assim como um engenheiro tem de se especializar em determinados nichos (o que pode estar aliado às suas aspirações e gostos pessoais ou não, a decisão é do indivíduo, sempre) para assegurar empregabilidade e renda satisfatórias, esse escritor que quer lucrar com venda de livros, terá de saber quais os fatores que determinam melhores resultados. Ou poderá contratar um agente ou editor que domine o assunto e confiar nas suas orientações. Esse escritor, tanto pode estar preocupado com a estética de sua escrita como não. Pode ser que ele não tenha nenhum interesse no rec0nhecimento da crítica acadêmica ou qualquer outra crítica profissional e sinta-se plenamente realizado com o aval de determinado grupo de leitores – cujas exigências poderão variar enormemente. Não vejo mal nisso.

Mas há outros perfis de escritores. Talvez em menor número, assim como seus leitores, que mantém interesse em tratar literatura como arte, não como produção em série. Isso não significa que esses autores não desejem ganhar dinheiro com o que escrevem (embora seja altamente salutar não alimentar expectativas elevadas a respeito), mas talvez o escritor mais preocupado com a arte literária (não confundir com elitização da leitura) esteja mais apto a aceitar que a demanda para esse tipo de “produto” é menor. Acredito que sempre existirá uma parcela do público que buscará textos pelo que eles podem proporcionar de satisfação, reflexão e aprendizado. Porque literatura pode, mas não precisa ser apenas passatempo. A leitura (já falamos disso antes) pode instigar o leitor a avançar como indivíduo, a superar-se, a ver mais longe ou de outros pontos de vista e isso tem consequências no mundo prático.

Não condeno ou elogio de antemão nenhum dos extremos. Defendo o direto à escolha. Tanto o escritor deve ter clareza dos seus rumos e intenções quanto à escrita, como o leitor precisa poder escolher entre o texto e a celebridade, livremente. Esperar isso do mercado editorial, no entanto, é talvez ingênio. No sistema em que estamos mergulhados a preocupação com resultados financeiros é inevitável. A possibilidade de escolha, começa a aflorar, porém, especialmente em função das publicações independentes (tanto em e-book como em impressões sob demanda).

Mas o paraíso não está  aí nos oferecendo maçãs lustrosas gratuitamente. A escolha se torna tanto mais complexa quanto maior a oferta. O atual contexto, capaz de propiciar espaço para todo tipo de texto e seus respectivos autores deixa com o leitor o ônus de garimpar o que poderá lhe satisfazer, e aqui voltamos ao centro da questão que o debate suscitado pela entrevista do pop Draccon coloca: a luta por visibilidade.

Quanto a mim, se tiver produzido um texto capaz de motivar um leitor ou amigo que seja, ainda que postumamente, a espalhar seus caracteres para outros leitores, já posso guardar um sorriso satisfeito. Mas isso não significa que ficarei de braços cruzados esperando o acaso. Na  medida do parco tempo disponível, brigarei por esse improvável espaço para ser lida.

Quem diz mais?


Sobre Maurem Kayna

Maurem Kayna é Engenheira Florestal, baila flamenco e é apaixonada pela palavra como matéria-prima para a vida. Escreve contos, análises sobre a auto publicação e tem a pretensão de criar parágrafos perenes.

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