No dia 07 de Janeiro se comemora, no Brasil, o dia do leitor. Seria irônico caso já não estivéssemos acostumados com datas dedicadas a minorias onde a tônica oscila entre o protesto necessário e comemorações hipócritas. As estatísticas sobre os hábitos de leitura dos brasileiros são lamentáveis para qualquer país que pretenda se livrar do eterno carimbo “em desenvolvimento”. É bastante provável que se você está lendo isso, não faça parte da média que lê em torno de 4 livros ao ano, a maioria didático ou religioso. Se você lê 2 ou 3 vezes isso, ou até mais, ótimo – sabe perfeitamente a diferença que isso faz na vida, em todos os sentidos. Mas, talvez, você faça parte do grupo que considera um gasto muito grande de tempo, ou não considere um dinheiro bem empregado a compra de livros (de fato eles são caros por aqui, especialmente quando comparados ao valor da remuneração que recebemos), ou ainda… pode simplesmente não ter se interessado pela atividade porque as alternativas oferecidas (ou forçadas) na escola não interessavam nem um pouco.
Não importa o grupo onde você se enquadra, tente seguir aqui minhas divagações e depois pode contrariar, complementar, ou corrigir alguma coisa que tenha me escapado.
Então, adiante. Já é assunto assimilado a necessidade de mudar (para melhor, espera-se) o hábito de leitura do brasileiro em termos de volume e diversidade. Existe, para tanto, o PNLL – Plano Nacional do Livro e Leitura, atualmente gerido pela FBN – Fundação Biblioteca Nacional. E a meta, segundo o Ministério da Cultura, é triplicar (até 2020) o número de livros lidos.
Recentemente as críticas quanto ao papel da FBN nas políticas de incentivo à leitura em contraste com o seu desempenho na preservação do acervo que abriga tem proliferado (veja as mais recentes no Estadão e na Folha). O orçamento do plano em 2012 ficou em torno de 370 milhões de reais (3,7 vezes o orçamento da FBN em si). Os programas de incentivo à leitura e ao livro cobertos pelo PNLL estão agrupados em quatro eixos que, por sua vez, são subdividos em diferentes linhas de atuação.
O primeiro eixo trata de ações para melhorar o acesso ao livro, seja através da implantação de bibliotecas ou espaços de leitura, da distribuição gratuita de livros ou da incorporação de tecnologias de informação e comunicação. Aqui haveria espaço para uma exploração racional e bem pensada das possibilidades de acesso a conteúdo de qualidade que o formato digital e os aparelhos dedicados (e-readers) permitiriam, mas os projetos elencados, seja no nível federal, estadual ou municipal se restringem a abordar o termo vago da “inclusão digital” ou tratam de projetos válidos mas circunscritos ao meio acadêmico e, portanto, sem uma função real na motivação da leitura por parte da sociedade em geral.
Talvez minha crítica seja excessiva uma vez que não me debrucei sobre as minúcias de cada projeto, me ative ao resumo disponibilizado no portal PNLL (que anda carente de atualizações, parece-me) e devo reconhecer que um dos projetos de nível municipal parece promissor. Já alguns dos projetos da sociedade organizada ou de instituições privadas (apoiados pelo PNLL) chegam a animar. Resumindo: não estou afirmando que os projetos não tem valor ou bom potencial, mas considerando a menção ao uso de tecnologia, as possibilidades são bem maiores.
No eixo que trata especificamente de ações de fomento à leitura há 5 linhas de atuação com um total de 223 projetos (!) agrupados em temas como a formação de mediadores de leitura, projetos sociais de leitura (contação de histórias, publicação de antologias, bibliotecas itinerantes, clubes de leitura), fomento à pesquisa nas áreas do livro e leitura, sistemas de informação e prêmios a iniciativas voltadas à leitura e criação literária. Aqui fiquei satisfeita de ver que o maior número de projetos está a cargo do nível municipal, onde acredito que há mais chance de concretude e medição de resultados.
Os demais eixos se ocupam da valorização do livro e da leitura e de medidas para desenvolvimento da economia do livro (?).
Voltemos à vida prática, pois não tenho a menor pretensão de apresentar uma análise do PNLL, mas provocar a reflexão nessa pequena parcela de leitores que somos, essa minoria que dispensa discursos enaltecendo a relevância da leitura. Isso apenas por uma vaga esperança de que surjam ideias capazes se se converter em ações com poder de modificação – sem sonhos revolucionários, mas com expectativas de tamanho realista quanto ao alcance das ações humanas de cada dia.
Retomemos, então, a questão das datas e lembremos que além do Dia do Leitor, temos o 25 de julho para comemorar (!?) o dia do escritor; mais adiante, em 29 de outubro, o dia do livro (ou antes, o 18 de abril que é dedicado do Livro Infantil); e, já ia me esquecendo, 12 de outubro, que está marcado no calendário como dia da leitura. E quem aqui já sabia que 1º de maio não é apenas o dia do trabalhador, mas dia da Literatura Brasileira?
Com todas essas datas legalmente instituídas, todos esses milhares de reais do PNLL e mais de 800 projetos elencados no PNLL, o que vemos na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, lançada em março de 2012 é que o número de leitores ativos diminuiu 5% entre 2007 e 2011; o número de livros lidos também caiu no mesmo período (embora seja maior do que o verificado em 2000). Nem vou destrinchar a questão dos gêneros preferidos (didáticos e religiosos) porque a pergunta ou provocação que prefiro deixar não tem correlação com isso.
A conexão que pretendo instigar está direcionada a um público específico: quem escreve. Ora, escritores querem ser lidos e costumam (não querendo ser injusta) fazer coro quando ecoam as lamentações sobre esse triste cenário que temos no Brasil. Editoras também lamentam, claro. Assim como livrarias, bibliotecas e toda cadeia comercial envolvida no negócio do livro. Mas escritores, por definição, deveriam ser aqueles que não se reconhecem nessas estatísticas, certo? Por duas razões óbvias: 1) é impossível escrever bem sem alimentar o hábito da leitura; e 2) não faz sentido pleitear ser lido se não se tem disposição para ler, correto? Infelizmente, não.
Talvez porque ser escritor tenha se tornado simples, fácil, barato, até. As possibilidades de publicação independente se multiplicaram deveras e temos hoje um fenômeno curioso onde parece que a proporção de escritores por leitor tende a ultrapassar a unidade. Tentemos um teste: você leitor, quantos escritores tem como contato em suas redes sociais?
Mas, se todos escrevem (e muitos desses consideram a leitura algo dispensável ou secundário), quem dedicará tempo às páginas (não importa se impressas ou estampadas em e-ink, LCD, LED ou coisa que o valha)? Nesse contexto, qual o projeto de fomento à leitura tem potencial de vingar?
Ah sim, e quanto ao dia do leitor, vi meia dúzia de posts em redes sociais aproveitando a data para promover produtos, digo, livros (ou será que o primeiro termo estava mesmo mais correto?). Não vi muitas interações comentando trechos de obras, indicando aquele título que impactou tanto o estado de espírito ou aquela alegria por ter descoberto um autor muito bom pela dica de um amigo ou pelo acaso que entremeia os dias.