Sobre sementes e tempestades


3 a 4 meses entre a semente no solo e esse espetáculo de cor…

Não quero falar dos desafios de 2020 porque, além de clichê, seria quase ridículo falar do tipo de dificuldade que pessoas como eu (e tu que estás lendo isso) enfrentam.

Chegamos a este dezembro insólito vivos e saudáveis (ou ao menos recuperados / em recuperação) graças às maiores chances de nos protegermos ou de enfrentarmos com o devido suporte as ameaças à saúde. Alguns perderam pessoas muito queridas e isso vai doer por bastante tempo ainda. A ausência de abraços torna tudo mais complicado, mas chegamos aqui e toda simbologia de recomeço é bem vinda.

Bem vindos também os aprendizados deste ano tão atípico para nós que tivemos a sorte de estar sobre o planeta em um dos períodos mais pacíficos* já vividos desde que se tem registros das sociedades humanas. E aqui não me refiro aos 37 diferentes aplicativos para reuniões online ou às variadas receitas que pudemos arriscar. Penso mais nas coisas que cultivar uma horta tem me mostrado; nas descobertas da amiga que decidiu produzir peças de cerâmica; no desabrochar de outra amiga que tem feito da escrita e do otimismo as suas armas; no malabarismo das profes de dança driblando o delay da conexão e decifrando um ângulo melhor para as aulas online e em tantas outras pessoas que aprendem a viver vivendo, em quaisquer circunstâncias.

Mas o clique para a mensagem desse ano me ocorreu em um fim de tarde quente em que estava enfrentando os mosquitos para regar a horta / jardim. No canteiro de girassóis mexicanos, que durante o dia funciona como parquinho de diversões para várias espécies de borboletas, lembrei de quando havia semeado aquelas plantas (no dia desse insight, as mais altas tinham cerca de 1,30 m de altura) e pensei:

essa maravilha toda, antes de ter concretude, existiu no meu pensamento… na minha vontade…

A partir dessa constatação, passei em revista outras situações da vida para as quais a afirmação continuava válida. Lembrei particularmente de um exercício da antiginástica em que uma postura bastante desafiante se tornava curiosamente mais viável depois de uma prática de mentalização da posição, orientada pela professora.

Não se trata de nenhuma revelação, naturalmente. É um fato quase banal que toda ação se inicie na decisão de agir, mas dar-se conta dessa sequência (crono)lógica pode ser um bom exercício para selecionarmos bem os passos reais e metafóricos que querermos dar em 2021. E tão importante quanto ter presente essa ligação entre o que realizamos e o que nos propomos a fazer é dar-se conta de que o contrário também funciona: acreditar-se incapaz de algo, é o motor da inércia que nos impede de realizar. E não pensem que estou aqui me referindo a slogans de autoajuda do tipo “querer é poder”. Pensar não é realizar ou alcançar, mas autorizar-se a querer; desejar e agir sim são passos para moldar realidades.

Então, deixo aqui um convite / provocação: escolha algo, uma única e simples coisa (cultivar uma planta, escrever um texto, aprender uma técnica qualquer) que queira fazer mas que nunca tenha cogitado muito seriamente executar. Escolha bem… tem que ser alguma coisa que, uma vez realizada, te traga alegria, orgulho, leveza. E faça. Pode começar com uma semente, uma caneta e depois uma palavra, a escolhe de uma ferramenta. E depois virão os movimentos diários que levam da semente à planta florida, para ficar nas minhas metáforas favorita dos últimos tempos.

Se já souberes o que é e quiseres me contar, vou gostar muito de saber e isso talvez nos possibilite boas conversas ao longo da década que se apresenta. E que essa realização seja um jeito bom de atravessar essa tempestade que está chacoalhando a humanidade, mas que cedo ou nem tanto, vai passar.

* Li recentemente que o mundo viveu menos de 10% da história registrada sem uma guerra importante (Empresas que curam, de Raj Sisodia e Michael J. Gelb). Aliás, para os amigos do mundo corporativo, indico a leitura.

Como dica de leitura, deixo esse conto de Ursula K. Le Guin que está disponível gratuitamente no Projeto Cápsula, da Editora Morro Branco.


Sobre Maurem Kayna

Maurem Kayna é Engenheira Florestal, baila flamenco e é apaixonada pela palavra como matéria-prima para a vida. Escreve contos, análises sobre a auto publicação e tem a pretensão de criar parágrafos perenes.

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